sábado, novembro 24, 2007

Distantes


Estreiteza de mim. Largueza dele.
O que penso cabe em uma caixa de fósforos;
O que ele pensa é além do horizonte, da vida.

Feiúra minha. Beleza dele.
O que mostro é conveniente, parcial.
O que ele mostra é luz total, êxtase do Belo.

Hipocrisia minha. Verdade dele.
O que falo é som vazio fruto de limitações.
O que ele fala é vento forte, caminho à transparência.

Tudo o que sou é pequeno diante dele.
Tudo o que faço é mínimo diante do que ele faz.

Abismo tal! Intrasponível será?
De minha parte sim, pois não sou mais do que existe.
Da parte dele não, pois em si reside o poder para pequeno ser.

De alguma forma, somos distantes para que eu reconheça saudades dele.

Eu preciso dele. Desde o começo.
É inexplicável, mas é verdade.

domingo, novembro 18, 2007

Vida e Tempo


No silêncio da tarde de domingo, penso na vida. Penso na maneira como vejo os outros. Penso no tempo que não é contado pelos ponteiros de um relógio.

O tempo, na verdade, é desconhecido. Pensamos que o conhecemos porque criamos uma fórmula matemática para medi-lo. Mas o tempo é um hábil fugitivo. Num momento gozamos de sua companhia. De repente, ele já não está aqui.

Há uma lógica sobre o tempo sobre a qual poucos pensam. O verdadeiro tempo está no ritmo da vida e não nos ponteiros. Quando devo falar e quando devo ficar em silêncio? Quando devo chorar e quando devo me alegrar? Quando devo estender a mão? Quando devo parar e olhar para trás? Quando devo seguir a decisão de caminhar e caminhar? O olhar da mãe tem seu tempo próprio, que não dá para explicar. O sorriso do amigo também.

A vida é companheira do tempo. Eles andam juntos, mudando constantemente os passos e rindo de nós por isso. Nós, seres humanos, somos geralmente enganados por estes dois porque achamos que os conhecemos. Meu medo é que a gente perceba tarde demais que o tempo e a vida já se foram, e nunca mais voltarão.

A morte de Carlos*

"Foi porque Deus quis?" A pergunta ressoou nas mentes de dezenas de pessoas ao redor do caixão de Carlos. Ele só tinha 23. Sua mãe estava desconsolada.
Eu e James entramos na sala-de-estar, com passos desconfortáveis. Me sentia um intruso querendo consolar. Não conhecíamos a maioria das pessoas. Nossos cumprimentos eram sempre tímidos. Quem conhecíamos já estavam chorando e, portanto, nosso interesse se voltou mais para consolá-los do que cumprimentá-los. Um aperto de mão, um abraço, um raro beijo. Palavras de constatação: "a vida é como uma neblina, já dizia Tiago". Oração: "Senhor, consola a família!". Conselhos: "ele já se foi; agora devemos cuidar dos que ficaram".
Carlos era um rapaz forte. Vivia com Patrícia* e a filhinha do casal, Juliana*. Os três formavam uma família muito jovem. Somando, não tinham a idade de uma pessoa de 50 anos. O cortejo fúnebre passou ao lado da casa onde Juliana, ignorante ao terrível infortúnio, brincava distraídamente. Mal sabia que seu pai se fora para sempre.
Mesmo discretamente, ouvimos informações de que Carlos estava tomando anabolizantes, o que teria causado o infarto fulminante. "Foi porque Deus quis?" era a pergunta.
Eu acredito na bondade de Deus. Também sei que a maldade ainda não morreu. Seu cortejo fúnebre, porém, está por vir.

* Nomes fictícios.

quarta-feira, novembro 14, 2007

A beleza em si

"Os livros ou a música nos quais imaginamos que a beleza estivesse acabarão nos traindo se confiarmos neles. A beleza não estava neles; ela apenas nos alcançou através deles, e o que nos acometeu por meio deles foi o passado - são belas as imagens do nosso real desejo; mas, quando as confundimos com a coisa em si, elas se tornam ídolos mudos, quebrando o coração de seus adoradores. Pois elas não são a coisa em si; não passam da fragrância de uma flor que não encontramos, do eco de um tom que não ouvimos, de notícias de um país que jamais visitamos. Você acha que estou tentando fazer alguma mágica? Quem sabe esteja; mas lembre-se dos seus contos de fada. A mágica é usada tanto para quebrar o encantamento quanto para induzi-lo."

C.S. Lewis (The Weith of Glory - Peso de Glória)