sábado, junho 28, 2008

Espejos. Una historia casi universal

Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos nos lembram.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, eles se vão?

Este livro foi escrito para que não partam.
Nestas páginas unem-se o passado e o presente.
Renascem os mortos, os anônimos têm nome:
os homens que ergueram os palácios e os templos de seus amos;
as mulheres, ignoradas por aqueles que ignoram o que temem;
o sul e o oriente do mundo, desprezados por aqueles que desprezam o que ignoram;
os muitos mundos que o mundo contém e esconde;
os pensadores e os que sentem;
os curiosos, condenados por perguntar, e os rebeldes eos perdedores e os lindos loucos que foram e são o sal da terra.

Eduardo Galeano, escritor uruguaio. Este texto é uma apresentação de seu novo livro Espejos. Una historia casi universal.

segunda-feira, junho 16, 2008

Clara e suas lágrimas

Clara veio conversar comigo. Triste, ela contou seu passado. Não que tenha sido infeliz, mas que foi afetada vivamente pelo sofrimento. Não que tenha sido vítima de tragédias particulares ou familiares, mas sim que seu estilo de vida a colocava ao lado de pessoas que sofriam diante da injusta vida.
Clara disse que a pobreza não é problema. O problema é a infelicidade das pessoas diante dela. É possível ser feliz, mesmo sendo pobre. Se engana quem pensa que o pobre precisa da nossa ajuda para ser feliz. Ele (e, em especial, as crianças) tem a capacidade de reinventar a vida no caminho da escassez. E é feliz assim.
Clara tinha em seu coração a frustração por sua mãe não ter conseguido suportar a convivência com a pobreza. Sua mãe, de origem pobre, não admite ter continuado assim. A pobreza é cruel com nossos sonhos. Ela, ao mesmo tempo que os renega, nos torna indignos dele. Com esta face, a pobreza faz mal, muito mal.
Clara não tem medo da pobreza. Se continuar pobre, não será frustrada ou amargurada. Ela tem medo da decadência da humanidade. De saber que muitas pessoas pobres que irá conhecer vão continuar vivendo uma vida medíocre, sem saber ou experimentar uma vida plena (com sentido e propósito). Esta certeza levou Clara às lágrimas enquanto almoçava e conversava conosco.
A conversa com Clara me levou a pensar muito sobre a pobreza, os pobres e o rumo de nossas vidas. Nosso mundo é injusto. Vivemos para nós mesmos, acreditando que isso é o correto, é o justo, é o que todo estudante deve pensar quando planeja o futuro. Viver para os outros é coisa de religiosos ou de gente boba, pensamos.
O choro de Clara não era fruto de uma tristeza egoísta, mimada (prato cheio para os psicólogos). Era o choro de alguém que sempre viveu para os outros, e por isso, que sofre por eles e com eles. Ela está pagando o preço desta escolha. Parece trágico, mas não é.
Clara terminou a conversa dizendo que é feliz, muito feliz. "Apesar de tudo, sei o sentido da minha vida. Mesmo em momentos de sofrimento e privação que passei, sempre soube a razão da minha escolha".
Clara me ensinou muito com suas lágrimas.