domingo, março 30, 2008

De tudo que vivo...



Senhor,
De tudo que sinto, vem sempre uma sensação de incompletude. Por tempos, achei que era incoerência espiritual. Hoje, sei que é tua glória infindável visitando, que não alcanço por mais obediente que eu seja.


De tudo que vejo, há sempre um olhar misterioso que não cabe nas cores – mesmo todas elas reunidas e intensificadas pelo sol do meio-dia। Esse olhar que não defino é teu... por mim... pelo outro que não vejo... pelo povo que te segue. Olhar de compaixão.


De tudo que sei, não sei como se move o tempo. Não sei como vivem e viveram todos em todas as eras. Não sei por que ainda brota diariamente a esperança do melhor, da bondade, da existência além do que existe. Não sei. E esta ignorância me é guia em direção à verdade.


De tudo que faço, há sempre um horizonte maior, mais forte que toda a minha força। Há sempre movimento. Além do meu controle. Há sempre Tu fazendo algo mais sublime. Porque da fonte vem minha força, não de mim mesmo.


De tudo que vivo, há sempre um caminho além a percorrer. Das surpresas de hoje, há sempre um novo nascimento. Há sempre uma criança sorrindo para mim. Dela, vem a prova de que a realidade é maior que minha vida. De que a salvação está no recomeço, e de que o recomeço está na salvação.


Amém.

segunda-feira, março 24, 2008

terça-feira, março 18, 2008

A Primeira Páscoa (uma paráfrase)




Na sala empoeirada, euforia. Arrumando a bagagem, a mãe não sabia como fazê-la. Sua geração não estava acostumada com tal tarefa. O pai, apressado, preparava o fogareiro, juntando brasas e soprando o vento para o mesmo local. O menino brincava com o cordeirinho, lindo, em seus últimos momentos de vida. Já haviam se tornado amigos naqueles quatro longos dias. No coração da criança, a dúvida: por que ele tem que morrer? O que ele fez de mal?

A dita euforia combinava com o cheiro da liberdade. Toda a família sentia o mesmo odor. Parecia um sonho. Sairemos do Egito e iremos para a nossa terra.

O amargo das ervas era como uma despedida irônica dos séculos de sofrimento que nenhuma língua gostaria de provar. E que mesmo assim não deveriam ser esquecidos.

A noite seria longa, e infelizmente fúnebre. Mesmo com o barulho de arrumação nas casas vizinhas, ainda assim havia um silêncio estranho no ar. De alguma forma, tudo aquilo estava interligado: a bagagem, o cordeiro, o fogo, as ervas amargadas, o pão sem fermento, o medo da morte, o sonho de liberdade, a fé no Senhor.

Tudo começava a fazer sentido na medida em que fazíamos o que Ele ordenara por meio de Moisés e de Arão. Tínhamos uma firmeza nunca antes vista. Até o faraó se surpreendeu conosco. De escravos nos transformamos em revolucionários. De submissos éramos vistos como subversivos.

Mais importante do que isso, no entanto, era o momento solene do holocausto. Nossa identidade estava ali, naquele altar. Um cordeiro morto, sofrendo em nosso lugar, servindo de alimento para nossa humanidade, para nossa necessidade de sobreviver. Não tínhamos idéia, mas nossa história começava a ser contada realmente, concretamente. Era apenas o começo de uma caminhada que duraria para sempre e transformaria o mundo.

[Relato da primeira páscoa. Baseado em Êxodo 12.1-11]