quarta-feira, abril 23, 2008

Só um pedaço de papel colorido?


Extraído do livro Mere Christianity, de C. S. Lewis

Lembro-me de certa vez quando dei uma palestra para a Força Aérea e que um velho e experiente oficial levantou-se e disse: “Não sei qual a utilidade disso tudo. No entanto, veja bem, eu também sou um homem religioso. Sei que há um Deus. Eu o senti quando estava sozinho, no deserto, à noite: um grande mistério. E esta é precisamente a razão por que eu não acredito nos seus dogmas e nas suas fórmulas reducionistas e bem comportadas sobre Deus. Para qualquer um que já o tenha encontrado, tudo isso parece tão mesquinho, pedante e irreal!”

De certa forma eu até concordei com aquele homem. Penso que ele deve ter tido alguma experiência real com Deus no deserto. E quando ele voltou dessa experiência para os credos cristãos, acredito que ele voltou de algo real para algo menos real. Assim, também, se uma pessoa olha da praia para o Oceano Atlântico e, depois olha o Atlântico no mapa, ele também estará voltando de algo real para alguma coisa menos real: das ondas do mar para um pedaço de papel colorido. Mas é aí que está o ponto. O mapa é reconhecidamente um pedaço de papel colorido, mas há duas coisas que você deve lembrar. Primeiro, ele é baseado no que milhares de pessoas descobriram navegando o Atlântico de verdade. Dessa forma, um indivíduo tem atrás de si milhares de experiências tão reais quanto a que você poderia ter tido na praia; com a diferença de que, enquanto a sua seria um vislumbre único, o mapa dá conta de todas as variadas experiências juntas. Segundo, se você quer chegar a algum lugar, o mapa é absolutamente necessário. Para quem está interessado em apenas fazer algumas caminhadas na praia, a visão de tudo é muito mais agradável do que olhar para um mapa. Acontece que o mapa terá mais utilidade do que as caminhadas pela praia se você desejar chegar a outro continente.

Agora, a teologia é como um mapa – nada mais é do que aprender e pensar sobre as doutrinas cristãs. Ficar nisso, é menos real e menos emocionante do que o que aconteceu com o meu amigo no deserto. As doutrinas não são Deus; elas não passam de uma espécie de mapa. Acontece que esse mapa é baseado na experiência de centenas de pessoas que realmente estiveram em contato com Deus; experiências comparadas com quaisquer emoções ou sentimentos piedosos que você e eu poderíamos experimentar, considerados elementares e até confusos. Em segundo lugar, se você quiser chegar mais longe, terá que usar o mapa. Veja bem, o que aconteceu com aquele homem no deserto pode ter sido verdadeiro, e certamente foi empolgante, mas isso não resulta em nada. Não há nada que se possa fazer a respeito. Na verdade, eis aí arazão por que uma religião vaga, algo como sentir Deus nanatureza e assim por diante, é tão atraente. É só emoção, sem qualquer trabalho; é como observar as ondas do mar a partir da praia. Mas você jamais chegará a outro continente estudando o Oceano Atlântico dessa maneira, e jamais obterá vida eterna só de sentir a presença de Deus nas flores ou na música. Nem chegará a lugar algum apenas olhando os mapas, sem ir para o mar. Tampouco estará seguro se entrar no mar sem um mapa.

segunda-feira, abril 21, 2008

Jornalismo e sua vã maneira de viver

Sou jornalista por formação, e, naturalmente, tenho amigos jornalistas. Bem da verdade, já faz tempo que não exerço a profissão em uma redação diária convencional. Não vivo mais aquela tensão de todos os dias em busca de notícias. Confesso: às vezes, sinto um pouco de saudades, apesar de ter vivido algumas insatisfações no meio.

Por isso, me ponho a refletir um pouco sobre nossa atuação diante dos fatos recentes. Nos últimos dias, o Brasil está ouvindo uma espécie de "música de uma nota só": o caso da morte trágica da menina Isabella. É realmente inaceitável o que aconteceu. No entanto, olho com preocupação o papel da mídia.

Apesar do ceticismo característico, vez ou outra os jornalistas (ou os jornais?) se convencem de que podem espurgar o mal. Para isso, basta mostrá-lo repetidamente, e cada vez mais. Como nossa formação existencial (talvez não tão convicta assim) se relaciona com a existência do mal (ou da maldade)? Como nós, jornalistas, podemos analisar com honestidade que nosso humanismo ingênuo não é suficiente para explicar a realidade? Somos amigos ou inimigos do mal? O que ele significa para nós?

Não quero pensar o pior: que os jornais se aproveitam do caso Isabella para aumentar a audiência de seus programas e meios. É fato que isso realmente aconteceu (o aumento da audiência). No entanto, sei que muitos jornalistas o fazem movidos por uma - talvez inesperada - indignação. Outros, é verdade, não sentem nada, a não ser o dever de divulgar mais uma notícia. Os donos de jornais, esses sim, pensam mais na audiência.

É incoerente também constatar que mesmo dando tanta importância a fatos como este, a mídia os ignora posteriormente como se ignorasse um filme repetido. Tanta relevância deveria gerar mais compromisso dos meios de comunicação, não acham? Ou a história só existe enquanto a telas dos jornais a exibem? Um drama não pode ser contido no tamanho de uma lauda. Ele vai além da nossa habilidade de formular frases e de nossa capacidade de concisão.

Não quero acreditar também que a mídia brinca com a realidade. Ela não pode ser um garoto arteiro que maltrata o gatinho de casa só para ouvir os gritos do animal e para sentir-se mais poderoso. Violência e morte de crianças é uma realidade cruel em nosso país. Acontecem todos os dias, principalmente nos lugares mais pobres. Agora me digam: por que suas histórias também não são contadas? Quem determina a pauta? Quais os critérios? Quais objetivos? Quem se importa com o acontece com pessoas pobres nos rincões do nosso país?

Vale aqui pararmos para pensar como anda nossa ética como jornalistas. O que nos resta neste famigerado mundo de notícias, correria e descrições rápidas? Quais nossos valores reais? O que nos move? Perguntas que podem nos ajudar a escrever a próxima notícia.