segunda-feira, abril 21, 2008

Jornalismo e sua vã maneira de viver

Sou jornalista por formação, e, naturalmente, tenho amigos jornalistas. Bem da verdade, já faz tempo que não exerço a profissão em uma redação diária convencional. Não vivo mais aquela tensão de todos os dias em busca de notícias. Confesso: às vezes, sinto um pouco de saudades, apesar de ter vivido algumas insatisfações no meio.

Por isso, me ponho a refletir um pouco sobre nossa atuação diante dos fatos recentes. Nos últimos dias, o Brasil está ouvindo uma espécie de "música de uma nota só": o caso da morte trágica da menina Isabella. É realmente inaceitável o que aconteceu. No entanto, olho com preocupação o papel da mídia.

Apesar do ceticismo característico, vez ou outra os jornalistas (ou os jornais?) se convencem de que podem espurgar o mal. Para isso, basta mostrá-lo repetidamente, e cada vez mais. Como nossa formação existencial (talvez não tão convicta assim) se relaciona com a existência do mal (ou da maldade)? Como nós, jornalistas, podemos analisar com honestidade que nosso humanismo ingênuo não é suficiente para explicar a realidade? Somos amigos ou inimigos do mal? O que ele significa para nós?

Não quero pensar o pior: que os jornais se aproveitam do caso Isabella para aumentar a audiência de seus programas e meios. É fato que isso realmente aconteceu (o aumento da audiência). No entanto, sei que muitos jornalistas o fazem movidos por uma - talvez inesperada - indignação. Outros, é verdade, não sentem nada, a não ser o dever de divulgar mais uma notícia. Os donos de jornais, esses sim, pensam mais na audiência.

É incoerente também constatar que mesmo dando tanta importância a fatos como este, a mídia os ignora posteriormente como se ignorasse um filme repetido. Tanta relevância deveria gerar mais compromisso dos meios de comunicação, não acham? Ou a história só existe enquanto a telas dos jornais a exibem? Um drama não pode ser contido no tamanho de uma lauda. Ele vai além da nossa habilidade de formular frases e de nossa capacidade de concisão.

Não quero acreditar também que a mídia brinca com a realidade. Ela não pode ser um garoto arteiro que maltrata o gatinho de casa só para ouvir os gritos do animal e para sentir-se mais poderoso. Violência e morte de crianças é uma realidade cruel em nosso país. Acontecem todos os dias, principalmente nos lugares mais pobres. Agora me digam: por que suas histórias também não são contadas? Quem determina a pauta? Quais os critérios? Quais objetivos? Quem se importa com o acontece com pessoas pobres nos rincões do nosso país?

Vale aqui pararmos para pensar como anda nossa ética como jornalistas. O que nos resta neste famigerado mundo de notícias, correria e descrições rápidas? Quais nossos valores reais? O que nos move? Perguntas que podem nos ajudar a escrever a próxima notícia.


2 comentários:

Ana Danin disse...

Li,

Concordo com várias de suas reflexões. No entanto, é preciso observar sem hipocrisia que somos jornalistas:vivemos de fatos, de realidade. A nós, cabe mostrar o que ocorreu, com o cuidado de não julgar ou condenar sem provas. Qto a dar continuidade, não podemos seguir permanentemente um caso. Isso cabe à Justiça. Como Isabella, muitas outras crianças morreram nas últimas semanas vitimas de violência. Por que não ganharam a mesma repercussão? Não sou eu que vou responder. Acredito apenas que volta e meia aparecem casos emblemáticos, como o de Isabella, que servem para fazer a sociedade refletir sobre para onde estamos indo nesse mundo louco. Muitos jornalistas estão fazendo um trabalho sério neste caso. O resto é a praga do sensacionalismo, "doença" típica do mundo moderno e bastante alimentada pela boa e velha curiosidade humana. Sobre isso, poderíamos passar horas e horas conversando, buscando explicações sociológicas, o que não vem ao caso agora.

Humberto R. de Oliveira Jr disse...

Meu caro, muito sensatas as suas palavras. Estou de acordo com elas.

Fiquei chocado quando me contaram da forma com que o caso Isabella foi tratado pelo programa Balanço Geral, da Record São Paulo. O sensacionalismo solapou o respeito à vida humana...

Qualquer que seja nosso trabalho, devemos fazê-lo tendo em vista a reverência total pela vida humana.

Abraços fraternos.