sábado, fevereiro 27, 2010

A maldição do viajante sem casa

Não é natural sair de casa. Exatamente a segunda metade dos anos de minha vida estão sendo vividos fora da casa de meus pais, o lugar onde dei os primeiros passos e senti os primeiros sentimentos. A gente desacostuma dos detalhes, e lembrar do que ainda é “nosso” torna-se quase uma dor.

O maior consolo de quem sai é ter a esperança de poder voltar, mesmo que seja apenas para visitas. Da mesma forma, a maior tragédia é não saber para onde voltar.

Um amigo meu, ferido por grandes derrotas em sua vida matrimonial, disse recentemente que voltou para a cidade porque “para recomeçar a vida é preciso voltar ao início”. A maldição reside exatamente na realidade do viajante sem casa. Ele gosta de aventuras, descobre novos lugares e novas pessoas, aprende culturas interessantes e outras línguas, mas de tanto ir, vai perdendo o caminho de volta.

Conhecer o mundo não é suficiente. É preciso lembrar sempre o caminho de casa. E quando o esquecemos, nos perdemos na imensidão da vida, assim como quando um banista se afoga na força bravia do mar, outrora belo, mas agora perigoso. Desesperadamente projetamos, então, o “caminho de casa” em tudo que achamos legítimo.

Eis um drama atual. O homem contemporâneo não sabe mais o caminho de casa. E agoniza entre as infinitas possibilidades.

No entanto, a promessa de Deus é dar o seu reino aos que se reconhecem pobres de espírito (Mt 5.3). Contra a maldição do viajante sem casa, Deus concede pertencimento, um lar. Contra a confusão moderna dos caminhos sem volta, ele diz: “o reino é seu”. Eis uma benção indescritível.

O que fazer então? Enxergarmos toda a miséria que há dentro de nós. Dói, mas é necessário. Diante do desespero, baixe as armas e entregue-se àquele para o qual seu coração pulsa. Não será surpresa mais a frente perceber que você, na verdade, está voltando para casa.

Série "Maldições" - Introdução

Aqui vale esclarecer minha intenção. “Maldição” compreendo como “problema”, assim como quando há uma reunião de família para descobrir a razão dos filhos brigarem tanto. O pai pergunta: “por que não conseguimos viver unidos? Por que não ajudamos um ao outro, com satisfação e sem constrangimento?”. E os filhos começam a averiguar os verdadeiros motivos pelos quais o “problema” existe.

Quero falar sobre cinco maldições:
1. Maldição do viajante sem casa
2. Maldição da carência
3. Maldição da justiça individual
4. Maldição do horizonte sem sol
5. Maldição do liberto sem pai

Elas são relevantes aos nossos dias, mas indicam muito mais que uma explicação sobre a atual sociedade. Essas cinco maldições nos mostram o que é viver fora do reino de Deus. Como que virando do avesso, o caminho que me fez encontrá-las foi o sermão das bem-aventuranças de Jesus (Mt 5.3-10). Nele, o Mestre revela a realidade do ser humano antes e depois de descobrir o reino. Suspeito que para compreender o domínio de Deus é preciso antes sentir-se desesperadamente fora dele.

Cada post falará sobre uma maldição.

domingo, fevereiro 21, 2010

O que vemos e o que não vemos

A cega dos olhos não está sempre na escuridão. É possível não ver, vendo; e ver, não vendo. E quando isso acontece, a arrogância é a melhor companheira da cegueira.
Quando nos entregamos a Deus, ele transforma a arrogância em humildade. Aí vemos um mundo novo; bem mais belo e interessante que o anterior.
Humildade é saber que a vida começa em Deus; e é sustentada por ele. Humildade é compreender que o que sou ou faço é verdadeiro se tão somente for uma expressão da obra de Deus em mim. E quando isso ocorre, nos calamos, ouvimos e doamo-nos ao outro, sem invadi-lo.
Quando percebemos a obra de Deus, e nos envolvemos como instrumento dele, viver se torna uma grande benção e, ao mesmo tempo, um grande mistério.
Assim sendo, nossos olhos se tornam janela da alma.